Conheça o destino do leite de cabra produzido no Brasil


Maria Pia Souza Lima Mattos de Paiva Guimarães
Paulo Roberto Celles Cordeiro

1- DESAFIOS DA COMPETITIVIDADE

O agronegócio é visto como a cadeia produtiva que envolve desde a fabricação de insumos, a produção nas fazendas, a sua transformação até o seu consumo.Esta cadeia incorpora todos os serviços de apoio, desde a pesquisa e assistência técnica, processamento, transporte, comercialização, crédito, industrialização, até o consumidor final. O valor agregado do complexo agroindustrial passa assim por mercados de suprimentos, o da produção propriamente dita, o do processamento, o de distribuição e o do consumidor final.

A competitividade no agronegócio apoia-se atualmente cada vez mais nos aspectos da cadeia produtiva, na medida que depende da capacidade de resposta à evolução da demanda veiculada pela grande distribuição e exige também novas formas de integração a montante para assegurar os fluxos e a qualidade da matéria-prima.

Sente-se assim uma necessidade premente do setor rural para a formação de uma logística de demanda, pois o poder econômico na cadeia agroalimentar desloca-se para o elo da demanda, seja nos serviços ou na grande distribuição.Assim, o desafio da competitividade nos negócios da caprinocultura leiteira está na avaliação real da demanda do seu produto configurando locais onde acontecem uma maior absorçãodos mesmos, aliados a soluções no âmbito da gestão e da inovação tecnológica.

 

2- SITUAÇÃO DA CAPRINOCULTURA NO MUNDO

A espécie caprina é responsável por aproximadamente1,14% do suprimento anual de leite do mundo (FAO, 2000 ) .Entretanto, sua contribuição econômica é notória, tanto em países desenvolvidos como em desenvolvimento. Nos últimos 15 anos o número de caprinos aumentou em quase 50% em todo o mundo, enquanto o número de bovinos, não mais que 9%. O maior contingente de caprinos se encontra nas regiões tropicais e áridas (74%da população mundial) (Goat Production, 1981).

Tem-se observado, nos últimos anos, um crescente aumento deinteresse por criadores na implantação de projetos de caprinocultura leiteiravisto sob dois pontos de vista, econômicos,importantes : nos países desenvolvidos nota-se um estrangulamento na produção de leite de vaca, através das cotas de leite , impedindo o criador de aumentar seu faturamento, fazendo–o procurar meios alternativossem o controle de cotas deprodução , como o caso do leite de cabra. Por outro lado, nos países em desenvolvimento nota-se uma procura de mercado alternativocom capacidade de produção com maior liberdade, agregando valor ao produtomaior do que se oferece o mercado do leite bovino.

Os países industrializados apontam uma grande eficiência na produção de leite de cabra, representando 17% da produção mundial com 3% da população caprina, como no caso dos países da Europa. A análise dos sistemas de transformação do leite de cabra na Europa mostra uma grande heterogeinidade de situações, em função de cada realidade regional, das tradições de consumo, e do nível de integração do setor da economia leiteira moderna com infraestruturas industriais.

É notadamente observado que em todos os países coexiste uma transformação nas fazendas geralmente orientada sobre a venda local, com uma transformação industrial mais ou menos desenvolvida Os países que apresentam uma maior transformação industrial são: a França com 58% do leitecom 500 milhões de litros (FAO, 2000)coletados anualmente por uma centena de laticínios, sendo que, dentre 5 que trabalham na produção em escala industrial, 2 grupos excedem 50 milhões de litros /ano e qualquer grupo de dimensão industrial internacional tem uma atividade no leite de cabra;a Espanha com 65% do leite coletado pelos laticínios de pequeno porte; Países Baixos e Noruega com baixo volume coletado ( menos de 20 milhões de litros/ano).
Um dos obstáculos da industrialização a longo prazo se refere à sazonalidade da produção do leite de cabra, mesmo nos países com tecnologia avançadana produção.

Em relação ao consumo, com exceção da França existe pouco estudo sobre o comportamento do consumidor europeu face aos produtos caprinos. A Europa constitui um conjunto de países em que o o queijo de vaca faz parte do hábito alimentar do consumidor representando 17 kg /habitante, sendo o queijo de cabra variando de 500 g/habitante até 4 kg /habitante dependendo do país.

A maioria dos estudos de comportamento do consumidor mostram que, dentro dos grandes centros urbanos, o queijo de cabra é pouco conhecido, com exceção da França, e é muitas vezes considerado como um produto de sabor pronunciado e de preço elevado. Na América do Norte e Central, estes representam 3% do efetivo do rebanho mundial e se observa uma menor especialização leiteira, com exceção dos Estados Unidos e Canadá, apresentando a utilização do leite de cabra para consumo família, como fonte alternativa de receita pecuária.Na América do Sul o país que se apresenta mais preparado em rebanho com aptidão leiteira é o Brasil, representando excelentes perspectivas para o crescimento de vendas internacionais.

 

Quadro comparativo da destinação do leite caprino

PAÍSES

REB CAPRINO

FAO 2000

PRODUÇÃO DE LEITE

PREÇO PAGO AO PRODUTOR

DESTINAÇÃO PRINCIPAL DO LEITE

ESPANHA

2.400.000

317 ML

US$ 0,35

95% queijos misturados (Manchego )

GRÉCIA

6.220.000

460 ML

US$ 0,42

80% queijo Fetá
(cabra e ovelha misturados)

FRANÇA

1.100.000

495 ML

U$ 0,41

Queijo industrializado/ artesanal
8% leite fluído ou Pó

HOLANDA

80.000

62 ML

US$ 0,37

Sobretudo Golda de cabra onde 70% é para exportação .

BRASIL

12.600.000

141 ML*
4,2 ML para indústria

US$ 0,24
a US$ 0,28 (várias empresas brasileiras)

10 t Leite em pó
Leite Fluido e UHT
Queijos /Cosméticos
Subsistência

*ML – milhões de litros
Fonte : Boletim da L’ Ucardec / Jan./ Fev. / Mar-97 ; FAO 2000 e CCA Laticínios input CORDEIRO ,2003.

 

3 – SITUAÇÃO DA CAPRINOCULTURA NO BRASIL

OBrasilpossui cerca de 12,6 milhões de cabeça de caprinos sendo colocado em 11º lugar emrebanho caprino do mundo, com produção estimada de 141 milhões de litro de leite anual,contribuindocom apenas0,7% da produção total de leite no país (FAO, 2000).Entretanto mesmo com esta modesta contribuição no cenário lácteo brasileiro, de acordo com os dados da FAO, houve um aumento na produção de leite de cabra no Brasil de aproximadamente 51,6% no período de 1980 a 1992 (FAO,1993 ).

Esta produção está bastante segmentada, demonstrando uma maior aglomeração destes númerospara as regiões sudeste (somente Minas Gerais apresentou produção de 2,06 milhões de litrosde leite por ano (IBGE,1997),Rio de janeiroapresentou, em 1995, 1,05 milhões de litros (VINHA, 1996) e bastante concentrada em algumas localidades na região Nordeste.

Com o aumento crescente do interesse dos criadores em todo o Brasil a região Nordeste vislumbra grandes possibilidades para o desenvolvimento da caprinocultura leiteira, devido principalmente pelo potencial da espécie caprina em aproveitar das diversidades biológicasexistentes, como na possibilidade de se diminuir os custos de produção através de manejo intensivocom manejo de pastagens.

 

4- MERCADO NACIONAL

No Brasil a produção do leite de cabra está em crescimentoe o maior consumo ainda estáassociado ao consumo pediátrico por crianças com alergia ao leite de vaca ou indivíduos que necessitem de leite especial.

No caso da produção de derivados o maior consumo está associado ao trabalho junto aos formadores de opinião, feito de uma forma simplificada de divulgação e marketing.Este fato se deve pela total falta de conhecimento, falta de hábito de consumo por parte dos consumidores, associado ao preconceito relacionado com o leite de cabra.Assim, osetor enfrenta dificuldades na colocação dos produtos no mercado, principalmente pela falta de hábito de consumo como pelo preço, considerado alto. A coleta incipiente de leite e a comercialização praticamente limitada ao mercado interno fizeram as empresas se voltarem para parcerias na comercialização e formação de cooperativas para garantir a produção. Além disso, as empresas tentam driblar as modestas estruturas do setor, terceirizando a industrialização.

A industrialização do leite de cabra e de seus derivados exige instalações e equipamentos adequados e credenciados junto aos Serviços de Inspeção em níveis Federal, Estadual e Municipal.Desde novembro de 2000 (Instrução Normativa nº37 de 31 de outubro de 2000)o Brasil já possui Legislação Federal própria para o leite de cabra no que se refere ao processamentodo leite fluído, padronizando assimo produto leite de cabra – fluído . Entretanto ainda é inexistente para os derivados,contando somente com as legislações Estaduais ,que se apresentam de forma bastante regionalizada no que se refere às exigências,dificultando a busca por parte dos produtores , de alcançarem mercados mais competitivos, pois precisam se adequar à Legislação Federal do leite de vaca paraindustrializaçãodo leite de cabra. Isto torna-se um fator limitante no custo final do produto já que as produtores de leite de cabrautilizamescalas menores para processamento , quando comparado ao leite de vaca. o Brasil já possui no que se refere ao processamento, padronizando assimo produto leite de cabra – fluído . Entretanto ainda é inexistente para os derivados,contando somente com as legislações Estaduais ,que se apresentam de forma bastante regionalizada no que se refere às exigências,dificultando a busca por parte dos produtores , de alcançarem mercados mais competitivos, pois precisam se adequar à Legislação Federal do leite de vaca paraindustrializaçãodo leite de cabra. Isto torna-se um fator limitante no custo final do produto já que as produtores de leite de cabrautilizamescalas menores para processamento , quando comparado ao leite de vaca.

Atualmente poucos estabelecimentos estão habilitados com registro sanitário no País para beneficiamento do leite de cabra, existe apenas uma indústria habilitada para exportar leite de cabra UHT e uma para exportar leite de cabra em pó. Em Minas Gerais existem apenas dois estabelecimentos com SIF que beneficiam leite de cabra. Os estados de São Paulo, Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul possuem apenas um estabelecimento, respectivamente (FEIJÓinputBELCHIOR,2003 ).

 

4-1 DESTINO DO LEITE DE CABRA PRODUZIDO NO BRASIL

Dentre os produtos lácteos caprinos produzidos e industrializados, os mais freqüentes são:

a) Leite de cabra integral pasteurizado e ou congelado - neste setor existem um grande quantidade de pequenos produtores pulverizados em todo País com produção média de até 50 litros/dia que comercializam seu produto em âmbito municipal.

b) Leite de cabra em pó - iniciou com projeto pioneiro em Nova Friburgo – RJ, em 1994 é um produto bastante interessante como regulador de oferta ao mercado, exigindo, entretanto, alto custo de operação. Atualmente existem duas unidades produtoras: uma em Minas Gerais, no Instituto Cândido Tostes em Juiz de Fora e a outra em Sobral no Ceará.

c) Leite de cabra esterilizado - atualmente existem duas empresas que comercializam no Rio Grande do Sul.

d) Leite de cabra UHT – Longa Vida – lançado no mercado nacional em 1998 através da CCA atualmente existem várias algumas marcas no mercado. A forma operacional se deve à terceirização das empresas com indústrias processadoras de leite de vaca, pois apresenta alto valor de investimento.

e) Iogurtes e bebidas lácteas – produto bastante interessante apesar de existir ainda pequena produção quando comparado aos outros produtos. Possui grande vantagem na competitividade em relação ao valor de venda para o consumidor final.

f) Sorvetes – produto muito pouco explorado com um mercado a ser conquistado;

g) Queijos de cabra de variados tipos: frescal; boursin natural ou condimentado; massa semi dura como moleson, pecorino; massa semi mole como chevrotin, chabichou, crotin, saint maure, piramide. Produto bastante interessante, por agregar maior valor ao leite produzido e que tem apresentado nos últimos dois anos maior crescimento tanto em âmbito regional e nacional. Depende de investimento alto para implantação e uma logística de distribuição muito apurada. Atualmente existem empresas do setor coletando leite de produtores e industrializando o produto para vendanacional ou regional .

Para ilustrar o potencial do mercado e a capacidade de absorçãono que se refere aos queijos, no Brasil,das 240.000 toneladas de queijo de leite de vaca produzidos anualmente, 95% é considerada como consumo popular (prato, mussarela, parmesão, Minas, etc), enquanto que 5% referem-se a queijos tidos como especialidades. Nesta área o queijo de leite de cabra assume grande importância, pois é a fatia do mercado que se mostra bastante lucrativa fazendo-o ser competitivoem relação ao preço de queijos finosdo leite de vaca.

Algumas indústrias nacionais compradoras e/ou produtorasdeleitedecabra e derivados

 

LITROS/ANO

DESTINAÇÃO

ACOSC- RIO GRANDE DO NORTE
2.200.000
Leite pasteurizado/programa institucional do governo

GOVERNO DO ESTADO DA PARAIBA

1.500.000

Leite Pasteurizado destinado a programa Institucional

CCA LATICÍNIOS- RIO DE JANEIRO

1.100.000

Leite longa vida /U H T /Achocolatado

QUEIJARIA ESCOLA DE NOVA FRIBURGO
CAPRIL GENEVE- RJ

870.000
1.100.000

Leite em pó e queijos
Queijos

PAULOCAPRI – SÃO PAULO

420.000

Leite congelado / iogurte e queijos

LADELL- RIO GRANDE DO SUL
CAPPRY´S –RIO GRANDE DO SUL

240.000
480.000

Leite esterilizado , queijos e iogurte
Leite esterilizado , leite em pó

CAPRIMINAS – MINAS GERAIS
AGROPECUÁRIA SANRI – MINAS GERAIS
INSTITUTO CÂNDIDO TOSTES- M. G.

40.000
38.000
36.000

Leite congelado
Leite congelado e queijos
Leite em pó e queijos

FONTE: CORDEIRO(2003 ), BELCHIOR (2003 ) e FONTE PESSOAL

 

5 – PERSPECTIVAS

Para que haja um maior crescimento da produção e comercialização do leite de cabra no Brasil, notadamente, é necessário uma avaliação regional de casos, observando-se principalmente o verdadeiro potencialde cada realidade regional ou local aliado ao estudo do perfil do consumidor. A capacidade de organização social de uma região é o fator endógeno por excelência para transformar o crescimento em desenvolvimento, através de uma complexa malha de instituições e de agentes de desenvolvimento, articulados por uma cultura regional e por um projeto político regional.

Estas avaliações devem ser norteadas para viabilizar projetos na caprinocultura leiteira levando- se em consideração alguns pontosno setor de produção: localização do terreno, acesso para escoamento dos produtos, distânciados centros consumidores, estudo de mercado – potencial para absorção do produto, entre outros.Para o mercado de derivados ou mesmo do leite fluído: conhecimento real do consumidor, investimento em tecnologiapara diminuição de custos, e no setor governamental, um maior conhecimento do rebanho nacionalpara indexação zootécnica e maior aproveitamento destes dados em favor do setor, para aumento de produtividade.

De um modo geral a tendência da caprinocultura moderna no Brasil seguirá, em parte, os modelos internacionais já existentes ou sejam: produções em pequena escala para venda local e regional, produções maiores para venda à industria beneficiadora / transformadora ou o próprio beneficiamento com abrangência nacional e internacional e a venda e/ou produção de produtos cosméticos.

Uma outra realidade tem-se mostrado bastante interessante para a caprinocultura leiteira: a produção de leite orgânico, pois como a escala é menor, torna-se mais fácil viabilizar os requisitospara implantação desta atividade,agregando valorao leite e derivados.É importante considerar o papel do turismo ruralaliado à atividade agropecuária. Desta forma a caprinocultura se mostra bastante caracterizada, pois várias experiências no Brasil demonstram que o turismo pode representar uma alíquota representativa nas receitas de uma empresa agropecuária que tem potencial para receber visitação.

Diante dos diagnósticos estes processos certamente mudam o perfil do produtor tornando-o mais profissional e competitivo. Aliado a esta mudança de comportamento do produtor rural em se transformar em empresário rural, é necessário que haja um fortalecimento das Associações de Criadores, Cooperativas, Instituições de Fomento, Universidades,promovendo o suporte técnico e empresarial ao setor .

Ressalta-se a necessidade premente em se trabalhar com uma publicidade institucional do leite de cabra e seus derivados, em âmbito nacional, parafortalecimento da venda dos produtos.

 

Bibliografia

ANAIS – III Encontro Nacional para o desenvolvimento da espécie caprina. Jaboticabal, 1994.

BELCHIOR, F. Caprinocultura busca representatividade. Revista Leite e Derivados. n.71. p.54-63. 2003.

BORTOLETO, E. E. Consumidor seletivo, exigindo mais. Revista Leite e Derivados, n.31, p. 6-10. 1996.

CORDEIRO, P.R.C. A Cadeia produtiva do leite de cabra. V Congresso de Medicina Veterinária. Recife, jul. 2003.

CALDAS, R. A. et al. Agronegócio brasileiro: Ciência, Tecnologia e Competitividade. 275 p. Brasília, CNPq / Embrapa, 1998.

FAO. Quartely bulletin of statistics .v.6.1993.

FAO, 1997. Production Yearbook Food and Agriculture Organization. Rome: FAO, 1997. v. 51, p.218-222.

FAO, 2000. Production yearbook Food and Agriculture Organization. Rome: FAO, 2000. v. 51, p.218-222.

GOAT PRODUCTION,Academic Press. p.25 – 31 . 1981.

GUIMARÃES, M. P. S. L. M. P. Avaliação da estabilidade físico-química do leite caprino congelado durante estocagem comercial.Belo Horizonte. Escola de Veterinária da UFMG, 1993. 73 p. (Dissertação Mestrado em Medicina Veterinária).

HADDAD, P. R.et al.A competitividade do agronegócio e o desenvolvimento regional no Brasil . Estudo de clusters. 261 p. Brasília, DF, CNPq – Embrapa, 1999.

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Anuário estatístico do Brasil: 1997. Brasília, DF: Ministério do Planejamento e do Orçamento, 1998, v. 57.

VINHA, J.G. Caprinocultura: Uma realidade. Niterói, EMATER – RIO, 1996.

Fonte: Palestra apresentada e publicada no III SINCORTE, João Pessoa, 2003.

Home Menu WhatsApp
Topo